“Tudo aquilo que não leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia.
Um homem jogado fora também é objeto de poesia.
Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia.(...)
O poema é antes de tudo um inutensílio.
Hora de iniciar algum
convém se vestir de roupa de trapo.
Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.
Faz bem uma janela aberta.
Uma veia aberta.” (Manoel de Barros –Matéria de Poesia)
“Quem quer que a poesia sirva para alguma coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Os que exigem conteúdos querem que a poesia produza um lucro ideológico. O lucro da poesia, quando verdadeira, é o surgimento de novos objetos no mundo. Objetos que signifiquem a capacidade da gente de produzir mundos novos. Uma capacidade in-útil. Além da utilidade. Existe uma política na poesia que não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais complexa, mais rarefeita, uma luz política ultra-violeta ou infra-vermelha. Uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.”(Paulo Leminski - Inutensílio)
Estes textos devem servir para que eu lhes diga do valor do trabalho do poeta. O trabalho do poeta é produzir inutensílios. Produzir coisas que não servem para serem usadas. Porque poemas são coisas para serem fruídas. Agostinho é quem falava destas duas categorias. O poeta trabalha pelo princípio do prazer e não pelo princípio da utilidade. Numa sociedade que só valoriza o lucro, o trabalho do poeta é rebelar-se contra a ditadura da mercadoria. Sou pela poesia que não vende – de vendar e vender. A poesia não se vende nem põe venda. A poesia se dá. A poesia dá a ver. Revelação do real. Criação. No principio era a palavra.
Tudo isso a propósito do Dia Nacional do Poeta, 20 de outubro.
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