definição

poesia é a especiaria que ativa as pupilas gustativas da língua

quarta-feira, novembro 30, 2005

Setenta anos da morte de Fernando


“As palavras não fazem o homem compreender, é preciso fazer-se homem para entender as palavras.” Herberto Helder

Pessoa no plural mesmo que singular: Alberto Caeiro, Ricardo Reis (que morava no Brasil), Álvaro de Campos, Bernardo Soares. E tantos outros que vieram com ele, que nele habitavam. Como em nós. Na verdade, não temos a dedicação e atenção necessária para perceber quantos somos. Para identificar cada um em nós, dar-lhe nome, biografia, desejos e propósitos. Pessoa assim fez. Deu nome, data e local de nascimento, mapa astral, personalidade e obra a vários. Nós nos satisfazemos, e por vezes, nem queremos ser a pessoa que somos. É preciso aprender com Fernando a ser pessoa no plural, fazer de cada existência virtual em nós uma possibilidade positiva.

Setenta anos da morte de Fernando e setenta e cinco de Herberto vivo. O grande poeta místico e carnal da língua portuguesa contemporânea. Herberto Helder. Quarenta e cinco anos tem Adília Lopes, a poeta pop, que provoca enorme rebuliço com sua obra e suas aparições na tv. Adília que disse numa entrevista: “Clarissa de Erico Veríssimo, descoberta aos 10 anos (em 1970), foi a porta por onde entrei na literatura. (...) A partir do texto de Erico Veríssimo, da Clarissa, percebi que ia ser escritora e que a literatura era a minha casa.”

Fernando dizia “a língua é minha pátria”. Caetano completou não ter pátria, mas mátria e querer frátria. É bom que a gente faça da nossa língua pátria uma frátria, escolhendo também leituras de criadores portugueses. É preciso conhecer Herberto, Adília e tantos outros. Eles falam a mesma língua nossa. E descobrirmos Portugal já está na hora. Para isso é preciso atravessar o Cabo Saramago e lançar-se ao mar português. Porque, como diz Fernando “o mar com fim será grego ou romano/ o mar sem fim é português”.

Aqui, uma pequena viagem, ou uma garrafa lançada que chega até Cavaleiro, com estas mensagens cifradas:

“Meus olhos resgatam o
que está preso na
página: o branco do
branco e o preto do
preto.”( A leitura/Herberto Helder)

“Os gostos e os desgostos/levam ao poema/como podem levar/ao precipício/o poema fala do precipício/ lá haverá choro/e ranger de dentes/e não haverá Kleenex/nem o Dr. Abílio Loff/o meu querido dentista/o poema fala do precipício/evitado a tempo/o mau poema não mata/(mais vale burro vivo/que sábio morto)” (Adília Lopes)

segunda-feira, novembro 21, 2005

o poema do FestCampos

o poema aí de baixo foi o que se classificou mas não levou.
no concurso havia poemas tão bons quanto ele que também não levaram.

rita it ra ira tira ir art tria





primeiro o sonho sangue e água um útero quente

então o passar o pássaro paz

é só chamar fantasia fantasia e ele vem pra mãe

contra a teleologia uma escatologia

rita feminino de rito

ao fazer um barro esbarro na vida

linhas volumes cores cheiros temperaturas rugosidades lisuras

sete ritas compondo sete rotas no silêncio

o silêncio antecede a palavra

a palavra

cede

ante

o silêncio

não eu ou tu ou nós ou eles

voz

se fazendo

lavapedracorpo

depois o sonho vapores fumaça vermelho*

ver-me

ver melhor


* vermelho é adam no hebraico.

sexta-feira, novembro 18, 2005

mais pesado que o ar


meu filho queria pegar pra ele

um casulo

preso no muro

lá fora

eu disse

“dali vai sair uma borboleta

não pode tirar senão não nasce”.

quando cheguei de noite

o casulo estava lá

dentro de uma das caixinhas plásticas dele.

imaginei saindo dali

uma lagarta com asas

como o pelicano de Baudelaire.

smell trouble

They could see the trashers coming

And the water shone like diamonds in a dew

It was then when I knew I’ve had enough

Burn my credit card for fuel”(Neil Young-Trashers)

lua cheia

um cheiro de podre

aqui dentro

hamlets e baudelaires

não ajudam

o gato atropelado

lá fora

- exala-se -

preciso isolá-lo

em plástico preto

faz-se assim

com algo como isso

- exila-se -

era um gato preto

azar o dele

memória olfativa

é a mais efetiva

pode-se esquecer tudo

menos o cheiro

da morte

segunda-feira, novembro 07, 2005

submundo


No metrô do Rio, sentado ao meu lado. um senhor idoso. Careca, os óculos quadrados.A expressão.como definí-la? Era Drummond.Fiquei ali, engasgado, com a admiração e as perguntas entaladas.Ele, ali. As pernas cruzadas. As mãos sobre as pernas. Tantos poemas que me fiseram mais vivo saíram daquelas mãos, daquela expressão daquele rosto. Eu, sentado ao lado daquele homem numa transversal do tempo no submundo urbano. Isso foi semana passada. Fuçando nas coisas ontem, no feriado de finados, descobri uma matéria de 28 de março de 1990, da Veja. Falava sobre a Lygia. A mulher que Drummond amou por 36 anos. Não, não era sua esposa.Talvez tenha sido a única matéria na imprensa que dá nome à musa do poema em que Drummond confessa: "na curva perigosa dos cinquenta derrapei neste amor".Drummond, 49.Lygia, 28. Um amor silencioso para nós, que rendeu muito, além da trilogia inédita que a família não deixa publicar - Lira dos trocados e Lirálio I e II. Lio era apelido de Lygia.O homem Drummond, aqui ao lado esquerdo.

domingo, novembro 06, 2005

dark

a sombra sou eu hoje passo sobre as coisas superficialmente torno tudo opaco anti reflexo do que nego no poço sem fundo de ecos trecos sapos flutuantes no caos escuso a luz é ela ela que produz sombra quado espanca as coisas com calcinada clareza a sombra estanca tanta certeza a sombra da chama acesa é talvez outra leveza

face de dois gumes


a vida vira a outra face
outra face a morte
outra face a morte não
a morte não a morte
a morte
revida

traduzir

as palavras suspensas
de poesia
enquanto minha língua
noutraduz

sábado, novembro 05, 2005

tao e qual

no princípio do prazer
criou deus a realidade

a realidade era amorfa e oca
e ruah se movia lânguida
sobre as faces do aprisco

então disse haja luz
e os olhos ônix das ovelhas se abriram
novelos branquíssimos como luas ou nuvem
brilhando na noite das íris das ovelhas

e descubro qual a guerra
entre pensamento e dia e noite
que stevens diz never ends

entre poesia e poema
tinta negra e página branca
palavra e coisa

a origem da idéia do bruno


a idéia do ameopoema do Bruno saiu da minha marca para terrorismo poético, feita ainda no ano passado, em outubro, quando eu já estava insatisfeito com o governo do PT, mas sem saber como expressar essa angústia...bem antes dessa crise toda.

era um ato poético-político.

bruno fez arte

tales from topographic oceans


"um amor assim violento
quando torna-se mágoa
é o avesso do sentimento
oceanos sem água" Caetano


álgido
o silêncio no mar
da tranquilidade ensina essa
violência volatilizada
- um dia a luta contra a pedra cessa

azul-néon
a lua cheia e seus oceanos sem água
glacê de paz sobre a fúria do mar

sexta-feira, novembro 04, 2005

rosebud


pétalas presas
num círculo

de surpresas

uma história da criação


no princípio era o verbo ele trazia em seu ventre um pronome mas não bastava quase nada se pode criar apenas com verbo e pronome no princípio era a palavra tudo e assim tudo se fez no princípio o pai os criou no princípio à sua imagem e semelhança crianças e o tutor de um e uma escolhido a dedo: lúcifer mui amado do pai se pudesse lúcifer o amaria ainda mais porque foi escolhido ele se entregou de alma e alma à tarefa um e uma aprendiam depressa o universo nem parecia infinito para seus pequenos olhos famintos aprenderam com lúcifer principalmente a amar tudo e o pai e mui amavam lúcifer e lúcifer os amou sobremaneira tanto que desejou intenso ser pai o equilíbrio não pôde suportar o amor assim assim lucifer fez o presente tornar-se serpente

terça-feira, novembro 01, 2005

paisagem na neblina


I

céu um teste de rorschasch

figuras formas fluxos

uns sentidos sem centro

despropósitos desprovidos de culpa

II

uma coisa é nadar contra ou a favor

outra é tornar-se um com o corpo do rio

sua terceira margem

III

tchernozion areia argila

talvez explique tudo

o punhado d q pó

com o suor do rosto do deus ou sua saliva

IV

as centelhas do pensamento

as labaredas do sentimento

(chama azul e zen: zoe)