definição

poesia é a especiaria que ativa as pupilas gustativas da língua

terça-feira, outubro 25, 2005

romancero gitano

a palavra cigana

que o poeta espera

mas sabe:

pode não vir

a palavra cigana

chega de chofre

não se sabe de onde

exigindo guarida

imperativo deixá-la

ficar

preparo mesa banho cama

dia seguinte some sem mais

deixa um presente:

antes que parta

o sangue nas costas

a cica na boca

as cartas na mesa

minha porta

aberta

e o poema

inconcluso.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Teoria do inutensílio

“Tudo aquilo que não leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia.

Um homem jogado fora também é objeto de poesia.

Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia.(...)

O poema é antes de tudo um inutensílio.

Hora de iniciar algum
convém se vestir de roupa de trapo.

Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.
Faz bem uma janela aberta.
Uma veia aberta.” (Manoel de Barros –Matéria de Poesia)


“Quem quer que a poesia sirva para alguma coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Os que exigem conteúdos querem que a poesia produza um lucro ideológico. O lucro da poesia, quando verdadeira, é o surgimento de novos objetos no mundo. Objetos que signifiquem a capacidade da gente de produzir mundos novos. Uma capacidade in-útil. Além da utilidade. Existe uma política na poesia que não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais complexa, mais rarefeita, uma luz política ultra-violeta ou infra-vermelha. Uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.”(Paulo Leminski - Inutensílio)

Estes textos devem servir para que eu lhes diga do valor do trabalho do poeta. O trabalho do poeta é produzir inutensílios. Produzir coisas que não servem para serem usadas. Porque poemas são coisas para serem fruídas. Agostinho é quem falava destas duas categorias. O poeta trabalha pelo princípio do prazer e não pelo princípio da utilidade. Numa sociedade que só valoriza o lucro, o trabalho do poeta é rebelar-se contra a ditadura da mercadoria. Sou pela poesia que não vende – de vendar e vender. A poesia não se vende nem põe venda. A poesia se dá. A poesia dá a ver. Revelação do real. Criação. No principio era a palavra.

Tudo isso a propósito do Dia Nacional do Poeta, 20 de outubro.

terça-feira, outubro 18, 2005

essa é antiga

problemas... sempre existiram
(gessinger)

não fui eu
não foi você
nem foi a máquina de escrever
que matou a poesia
não foram os Deuses
nem foi a morte de Deus
não foi o jabá da academia
que matou a poesia

o fim de semana
o fim do planeta
a palavra "sarjeta" no fim do poema
problemas... sempre existiram
esteróides anabolizantes
(samplers)
dicionários de rima
o medo do fim no final das contas
problemas... sempre existiram
sempre existirão

a última palavra é a mãe de todo o silêncio
façamos silêncio para ouvir o último suspiro
descanse em paz a mãe de todas as batalhas
a última palavra é a mãe de todo o silêncio
descanse em paz, dê o último suspiro
façamos silêncio para ouvir o último poema

? por que você não soa quando toca?
? por que você não sua quando ama?
! ninguém derrama sangue
quando perde guerras de fliperama!
? por que você não sua quando toca?
? por que você não soa quando ama?
? por que você não soa quando toca?
? por que você não sua quando ama?

as mentiras da arte são tantas...
...são plantas artificiais
artifícios que usamos
para sermos (ou parecermos)
mais reais
um pedaço do paraíso
uma estação no inferno
uma soma muito maior do que as partes:
as mentiras da arte

(o último poema)

segunda-feira, outubro 17, 2005

boate bêbada (lembrando rimbaud)

boladona
bela donna
i feel love até o chão

a pele ébano
uma tigresa
um bolero lero

a pista em alta velocidade
vertigens
e a maresia

sexta-feira, outubro 14, 2005

corpo caos


queria tatuar no corpo
um conjunto de mandelbrot

se olhar de longe parece um coração
mas não

quarta-feira, outubro 12, 2005

inserto

no monitor
trilhas caóticas
insetos tomam conta da página
por entre as linhas
buscando
o calor
e a luz


mon hipocrite lecteur
tira do poema o que eu não posso dar

isto que vem de fora
é poesia

segunda-feira, outubro 10, 2005


"a poesia é corporal"
octavio paz

geheimnis



mistério

em alemão

ir para casa

toda busca empreendida

sai da tua casa da casa da tua parentela e vai

por isso deixará o homem a casa de seus pais

porque na casa não tinha chão

o chão é pura metafísica

e é preciso ser imanente

saber o fundo

tocar a terra no submundo

a terra vermelha

como Adam

o vermelho

índio

chegar às origens

o corpo nu e suas feridas

(olhosouvidosbocanarizpele

vulvavaginapênisânus)

casa aberta

mistério do outro

corpo nu

tantas casas

para onde ir?

eis o mistério

domingo, outubro 09, 2005

cine qua non featuring no ordinary love


nonlinearly

dancing

images

“when it all began?”

sequences don’t match

that guy was wearing

blue

and now he’s

naked alone in the dead alley

the shadow of death

alley

“where is she?”

in another level of reality

some calls sanity

“fucking shit no romance.

but i like this hempy end”

sábado, outubro 08, 2005

um pouco de vinícius

O poeta(excertos)


Quantos somos, não sei... Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro; cinco, talvez nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze terras
Quantos, não sei... Só sei que somos muitos – o desespero da dízima infinita
E que somos belos deuses mas somos trágicos.


Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue
E também disformes porque – ai dos escravos! não há beleza nas origens
Voávamos – Deus dera a asa do bem e a asa do mal às nossas formas impalpáveis
Recolhendo a alma das coisas para o castigo e para a perfeição na vida eterna.


E enquanto o eterno tirava da música vazia a harmonia criadora
E da harmonia criadora a ordem dos seres e da ordem dos seres o amor
E do amor a morte e da morte o tempo e do tempo o sofrimento

E do sofrimento a contemplação e da contemplação a serenidade ínperecível

Nós percorríamos como estranhas larvas a forma patética dos astros
Assistimos ao mistério da revelação dos Trópicos e dos Signos
Como, não sei... Éramos a primeira manifestação da divindade


sexta-feira, outubro 07, 2005

meta (ou a luta do beta contra o reflexo no espelho


a poesia mira o espelho

e encontra o poema


o poema é imagem e diferença

a poesia não reconhece o que vê

a poesia não se enxerga

a poesia atravessa o corpo estilhaça-se


o melhor poema é avesso

à poesia que se olha e julga bela

o melhor espelho é aquele que se deixa atravessar

feito pessoa apaixonado


e do outro lado

olá do escuro

quinta-feira, outubro 06, 2005

o desejo gago




aftas na linguagem

a fala trôpega

fazia a dor fosforescer

um sentido

hoje tem


hoje tem leitura do poema Uivo ás 20h
na Faculdade de Filosofia de Campos
acompanhado por Luis Ribeiro(guitarra)
AlexandroF(baixo) e Armandinho(percussão).

quarta-feira, outubro 05, 2005

poética

a tarefa seria


a de aperfeiçoar o silêncio.


a tarefa do silêncio.

afasia



quase ninguém falou do dia do poeta

talvez porque o poeta é quase ninguém

quase ninguém prefere o silêncio eloqüente

terça-feira, outubro 04, 2005

a poesia suja

Estamos assistindo por estes dias muita coisa imunda: rescaldos de Katrinas, política-latrina. Nas oficinas poéticas que coordenava em Sampa, eu lia A Carniça do Baudelaire (1821-1867) para mostrar como o feio, o grotesco, o não-poético passava a fazer parte da poesia no início da modernidade.

Isso tudo aparece com força nestes dois poemas que estão comemorando algumas décadas da primeira leitura. O Uivo, de Allen Ginsberg (1926-1997), é um poema nada respeitável de 50 anos – a primeira leitura aconteceu em 8 de outubro de 1955, e o Poema Sujo, de Ferreira Gullar(1930), um texto jovem de 30 anos– as primeiras leituras aconteceram em novembro de 1975, no exílio de Gullar em Buenos Aires, ele lendo para Vinicius, Boal e outros (foi assim que o poema chegou aqui, gravado em fitas, com a leitura do Gullar passando de ouvido em ouvido). O palavrão, a descrição crua, a gíria, a política, a micropolítica, a história, a sinceridade ‘absoluta’. A vida como ela é.

A primeira vez que li os dois poemas, foi realmente um choque. Não o choque que tive quando fui apresentado para a poesia moderna, com o Poema só para Jaime Ovalle do Bandeira. Naquele tempo apenas fiquei impressionado em como poderia estar apreendendo uma forma de existência que era o poeta com sua melancolia, sua solidão, suas recordações – tudo aquilo se tornara eu.

Com Ferreira Gullar, eu tinha engolido o livro ‘Dentro da noite veloz’, e fiquei imensamente influenciado. Vários dos meus primeiros poemas oscilavam entre o bandeirês, o drummondês ou o gullarês. Quando cheguei ao Poema Sujo, vixe! Fiquei meio embaraçado, não necessariamente chocado. Mas lê-lo foi uma travessia, não agüentei de uma assentada. Fui lendo aos bocados. Sorvendo devagar o susto. Compreendendo.

Então, muitos anos depois, Uivo me deu aquilo que eu realmente não queria v(l)er. O lado negro mesclado à luz, o demasiado humano, eu nu. Nunca pensei encontrar um poema assim. Quando comecei a ler certas partes do Uivo em saraus e performances, passei por estranhas experiências[1]. Seqüências de arrepios, tonteiras, escotomas e, numa das leituras, a boca começou a sangrar enquanto lia a ‘Nota para pé de página de Uivo’, manchando a página do livro até hoje. Me senti recebendo ‘santo’. E olha que sou evangélico.

Dificilmente cometo um poema gigante, tenho verdadeiro nojo de poema prolixo. Só que os dois poemas em questão são enormes e ordenam o caos aparente das muitas palavras com sua construção, uma estrutura bastante pensada. E eu admiro a arquitetura, o conceito que engendra o poema. Nestes dois, a poesia nunca é liricazinha, de versinhos chumbregas sentimentalóides. Uma poesia forte, de sentido trágico, nietzschiana. Se você tiver coragem de enfrentar, leia. Se não tiver, leia também, como homenagem a dois poemas americanos que pensaram o mundo e a vida admiravelmente. Em homenagem a dois poetas americanos que foram ativistas, engajados nas lutas de seu momento histórico, querendo mais e mais democracia, justiça, igualdade, paz. Em tempos de porcarias como ‘burning bush’ e ‘lula frito’, nada melhor que a sujeira da poesia.



[1]Brincadeirinha: ‘Estranhas experiências’ é o nome do último livro de Cláudio Willer, enorme poeta e maravilhoso tradutor do Uivo.

segunda-feira, outubro 03, 2005

04 de outubro

no dia do poeta

o zé limeira da paraíba

uns limericks de lear

um pouco de zaúm

tudo que perca a linha

que seja grosso

e arrombe o cu

da lógica

beleza lírica

em suma um texto tesudo

cheio de porra

nenhuma

que cative o princepezinho

como o rabo grande

da raposa

ou o rosebud da rosa

amor e amizade

poesia poema e poeta

o triângulo obtuso

que ninguém é besta