Cabral descobridor
“As palavras de um homem morto
Mudam nas vísceras dos vivos.”
(Auden/Em Memória a W. B. Yeats)
Morre feito poeta metafísico. Com sua bem amada numa oração simples. Uma morte plácida. Mas de dia, com o sol a pino. E fica-se mastigando o grão de pedra da perda, ou a ausência feito fome das facas. Perda do alguém e do algo que ensina o difícil no ofício. Ausência de quem descobriu o novo continente para um quê de conteúdo conciso. E fez engasgar a língua melosa daquilo que, até então, aqui se fazia, e ainda. Na luta com a cegueira, tanta lucidez ofusca: um sol sólido pesa e marca o branco da página, cresta o texto, enxuga de tudo que não é seco. Ensina de novo a lição das coisas, dessa notícia do morto e de sua morte, para cada poeta que vem: usar do plácido só o que for ácido, porque corrói com sua crueza. Descobrir que um poema se constrói, sem plumas nem flores. Descobrir a poesia contra, da fé nas fezes. E, converso, fazê-la.
(9/10/99 – depois da notícia da morte de João Cabral de Melo Neto)
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