Pessoa no plural mesmo que singular: Alberto Caeiro, Ricardo Reis (que morava no Brasil), Álvaro de Campos, Bernardo Soares. E tantos outros que vieram com ele, que nele habitavam. Como em nós. Na verdade, não temos a dedicação e atenção necessária para perceber quantos somos. Para identificar cada um em nós, dar-lhe nome, biografia, desejos e propósitos. Pessoa assim fez. Deu nome, data e local de nascimento, mapa astral, personalidade e obra a vários. Nós nos satisfazemos, e por vezes, nem queremos ser a pessoa que somos. É preciso aprender com Fernando a ser pessoa no plural, fazer de cada existência virtual em nós uma possibilidade positiva.
Setenta anos da morte de Fernando e setenta e cinco de Herberto vivo. O grande poeta místico e carnal da língua portuguesa contemporânea. Herberto Helder. Quarenta e cinco anos tem Adília Lopes, a poeta pop, que provoca enorme rebuliço com sua obra e suas aparições na tv. Adília que disse numa entrevista: “Clarissa de Erico Veríssimo, descoberta aos 10 anos (em 1970), foi a porta por onde entrei na literatura. (...) A partir do texto de Erico Veríssimo, da Clarissa, percebi que ia ser escritora e que a literatura era a minha casa.”
Fernando dizia “a língua é minha pátria”. Caetano completou não ter pátria, mas mátria e querer frátria. É bom que a gente faça da nossa língua pátria uma frátria, escolhendo também leituras de criadores portugueses. É preciso conhecer Herberto, Adília e tantos outros. Eles falam a mesma língua nossa. E descobrirmos Portugal já está na hora. Para isso é preciso atravessar o Cabo Saramago e lançar-se ao mar português. Porque, como diz Fernando “o mar com fim será grego ou romano/ o mar sem fim é português”.
Aqui, uma pequena viagem, ou uma garrafa lançada que chega até Cavaleiro, com estas mensagens cifradas:
“Meus olhos resgatam o
que está preso na
página: o branco do
branco e o preto do
preto.”( A leitura/Herberto Helder)
“Os gostos e os desgostos/levam ao poema/como podem levar/ao precipício/o poema fala do precipício/ lá haverá choro/e ranger de dentes/e não haverá Kleenex/nem o Dr. Abílio Loff/o meu querido dentista/o poema fala do precipício/evitado a tempo/o mau poema não mata/(mais vale burro vivo/que sábio morto)” (Adília Lopes)